Godot (Luis Fernando Verissimo)

Uma estrada rural, num lugar não identificado. O único cenário é uma árvore sem folhas. Sentados sob a árvore, dois vagabundos: Vladimir e Estragon.

VLADIMIR – Nada a fazer…

ESTRAGON – Vamos embora.

VLADIMR – Você esqueceu? Estamos esperando o Godot.

ESTRAGON – Tem certeza que o lugar é este?

VLADIMIR – A árvore está aqui. Ele…

(Entra Godot.)

GODOT – Alô, alô, alô!

(Vladimir e Estragon se entreolham, apavorados.)

VLADIMIR (para Godot) – O q-que você está fazendo aqui?

GODOT – Ouvi a minha deixa e entrei.

ESTRAGON – Que deixa? Você não tem deixa na peça. Aliás, você não está na peça.

GODOT – Como não estou na peça? Eu sou o personagem principal!

VLADIMIR – Quem disse?

GODOT – Vá ver o cartaz lá fora. Qual é o nome que aparece com mais destaque? Godot.

ESTRAGON – Mas na peça você não aparece. Nós passamos o tempo todo esperando você, mas você não aparece.

GODOT – Nem no fim? Numa apoteose?

VLADIMIR – Nem no fim.

GODOT – Que diabo de peça é esta? Onde foi que eu me meti?

VLADIMIR – É uma parábola. Uma alegoria. Metáfora. Metonímia. Translação. Nós esperamos você, e você nunca aparece. Você pode ou não pode ser Deus. Nós podemos ou não podemos representar a condição humana. Nada é muito claro. É o chamado teatro do…

GODOT – Absurdo! Como é que eu posso ser Deus? Não tenho o físico para o papel. Se bem que, com a maquiagem e um pouco de enchimento…

VLADIMIR – Você não entendeu? Você não aparece. Deus não aparece. Deus talvez nem exista. A humanidade está sozinha. Eu estou sozinho.

ESTRAGON – Epa!

VLADIMIR – Eu estou com esse outro vagabundo, que é pior do que estar sozinho. Depois entram mais dois personagens, que também ficam esperando até o fim da peça. Mas Deus não vem, não há Deus. O homem não tem salvação. Está condenado ao abandono, a não entender o seu papel e não saber o seu destino. Condenado ao livre arbítrio.

GODOT – O livre arbítrio! Está aí! Eu sabia que alguma coisa tinha me feito entrar neste palco. Não foi uma deixa, foi o livre arbítrio. Decidi entrar, contra a vontade do autor, e entrei. Se Deus não existe, nada está escrito!

VLADIMIR – Ou talvez…

GODOT – O quê?

VLADIMIR – Talvez você seja Deus. Muito bem disfarçado, mas Deus. Você chegou. Nossa espera terminou.

ESTRAGON – Muito bem. Só que a espera durou só dois minutos. O que nós vamos fazer pelo resto do tempo?

GODOT – A gente pode improvisar.

VLADIMIR – Exato. Livre-arbítrio.